O Canto das Palavras


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quinta-feira, maio 29

Clarice Lispector

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca, ou não toca.

As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito.

Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas...
Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo.

O medo sempre me guiou para o que eu quero. E porque eu quero, temo.
Muitas vezes foi o medo que me tomou pela mão e me levou.
O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado.

Eu te recebo de pés descalços: esta é minha humildade e esta nudez de pés é a minha ousadia.

Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando.

Eu queria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva.

Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Eu sou uma pergunta.

Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer.
De algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada nem a ninguém.
Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma.

É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso.
Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção...porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?

Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela porta dos fundos.

Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero.
E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia.
Sou um o quê? Um quase tudo.

O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo.

A vida é um soco no estômago.

Eu teria um grande silêncio em mim, mesmo que falasse.

Entre meu nascimento e minha morte, todos os dias foram meus.

Vida e morte foram minhas, e eu fui monstruosa, minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai.

Passei a minha vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.

Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.
Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil.
Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e o outro dos outros era eu.

Quando releio o que eu escrevo tenho a impressão que estou engolindo o meu próprio vómito.

Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.

Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal.
Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil...
O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia muito solta.

Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando, e como você me vê passar!

Um dia uma folha me batera nos cílios, achei Deus de extrema delicadeza...

Engulo a loucura, pois ela me alucina calmamente.

Ah, viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incomodo.

Não se pode andar nu, nem de corpo nem de espírito.

Não humanizo bicho porque é ofensa – há de respeitar-lhe a natureza – eu é que me animalizo.

Não é difícil e vem simplesmente. É só não lutar contra e é só entregar-se

Você sabe meu pavor de sofrer, prefiro vender minha alma

(...) O que obviamente não presta sempre me interessou muito.
Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Escrevo-te em desordem, bem sei.
Mas é como vivo. Eu só trabalho com achados e perdidos.

Mas a palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É.

Às vezes, quando disco um número, toca, toca, toca sem parar e ninguém atende: comunico-me pálida com o silêncio de uma casa oca.
Até que não aguento a tensão e, nervosa, de súbito desligo, nós dois com taquicardia.


1920- Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à América.1922- Seu pai consegue, em Bucareste, um passaporte para toda a família no consulado da Rússia.
Era Fevereiro quando foram para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em Março desse ano, sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que viabilizara a entrada da biografada e de sua família no Brasil mediante uma "carta de chamada". Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania — irmã, todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã, Elisa; e Haia, em Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.

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